Cadeia Cinética Aberta: compreendendo o conceito e suas aplicações.

O que é uma cadeia cinética?

Uma cadeia cinética é um conceito utilizado na cinesiologia e biomecânica para descrever a interconexão entre segmentos corporais e como eles trabalham em conjunto para produzir movimento. Quando um músculo se contrai, ele não apenas move um osso ou articulação de maneira isolada, mas também afeta outras partes do corpo conectadas. Essa interação cria uma sequência de movimentos que podem ser analisados como uma “cadeia” de segmentos e articulações que agem de maneira coordenada.

O conceito de cadeia cinética foi introduzido inicialmente por Arthur Steindler (1878-1959), médico austríaco. Ele introduziu, em 1955, o conceito de cadeia cinética em seu livro, “Kinesiology of the Human Body under Normal and Pathological Conditions”. Esse trabalho estabeleceu uma nova maneira de pensar sobre a interação entre as articulações e os músculos durante os movimentos funcionais.

Ao criar o conceito de cadeia cinética, Steindler ajudou a categorizar e descrever os movimentos humanos de forma sistemática, oferecendo uma nova perspectiva para avaliar e tratar disfunções musculoesqueléticas. Sua definição de cadeias cinéticas, que foi dividida em cadeia cinética aberta e cadeia cinética fechada, continua a ser uma base sólida para fisioterapeutas,professores de educação física, médicos e pesquisadores que estudam e trabalham com o movimento humano. Neste artigo, vamos explorar o que é a cadeia cinética aberta, suas características, vantagens e aplicações na fisioterapia.

O que é cadeia cinética aberta?

A cadeia cinética aberta é um conceito que se refere ao movimento no qual o segmento distal (a parte mais afastada do tronco, como a mão ou o pé) está livre para se mover no espaço, sem estar fixo a uma superfície. Em outras palavras, durante o movimento de uma cadeia cinética aberta, a extremidade do membro se desloca sem a necessidade de interação com uma superfície fixa, como por exemplo, ao realizar o movimento de aceno de mão, como ao se despedir de alguém. Nesse tipo de movimento, a mão, o cotovelo e ombro podem se mover livremente.

Princípios biomecânicos da cadeia cinética aberta

Na cadeia cinética aberta, o movimento articular é caracterizado por:

  • Movimento articular independente/ mobilidade ampla: Durante os movimentos em cadeia cinética aberta, as articulações se movem de forma independente. Voltando ao exemplo da pessoa acenando com a mão, a amplitude de movimento de desvio ulnar e radial (típicos do aceno) ocorre de forma independente da amplitude de movimento do cotovelo (que pode estar totalmente estendido, semi-fletido ou mesmo totalmente fletido), esse mesmo conceito de independência também se aplica a articulação do ombro. A título de comparação: em um movimento de cadeia cinética fechada, como por exemplo  fazer uma flexão de braços (push up), as articulações do punho, cotovelo e ombro não são independentes umas das outras, na verdade, a angulação de qualquer uma vai ser altamente influenciada pela angulação das outras duas.
  • Forças e momentos: No caso de movimentos em cadeia cinética aberta, esses conceitos tornam-se particularmente relevantes. Em movimentos de cadeia cinética aberta, como a flexão do cotovelo para levantar peso, a articulação em questão funciona como um eixo de rotação, enquanto o segmento distal (antebraço) atua como uma alavanca. O músculo gera a força necessária para mover essa alavanca e, como resultado, o torque necessário para produzir o movimento desejado. Portanto, as forças que atuam sobre o corpo, como a gravidade e a resistência, influenciam diretamente o movimento.
  • Relação muscular: Uma vez que na cadeia cinética aberta é possível movimentar uma única articulação, os músculos também podem ser ativados de maneira isolada. Mesmo os músculos biarticulares podem ser isolados de modo a produzir movimento apenas na articulação desejada. A contração de um único músculo ou grupamento muscular é especialmente útil em reabilitação, onde a ativação de um único músculo pode ser necessária.

Vantagens da Cadeia Cinética Aberta

Existem várias vantagens em utilizar exercícios de cadeia cinética aberta na prática fisioterapêutica:

  • É possível isolar um músculo: Como mencionado anteriormente, movimentos em cadeia cinética aberta permitem que um músculo específico seja trabalhado de maneira isolada. Isso é particularmente útil em casos de recuperação pós operatória e também no fortalecimento muscular de um músculo ou segmento muscular fraco, onde o fisioterapeuta julgou necessário trabalhar a força, velocidade ou mesmo resistência de apenas um músculo específico sem envolver outros grupos musculares.
  • Amplitude de Movimento: Os exercícios em cadeia cinética aberta permitem que o fisioterapeuta treine a amplitude de movimento em articulações específicas. Por exemplo, ao realizar uma extensão de joelho, o terapeuta pode trabalhar a velocidade de contração e a força de quadríceps de maneira controlada. Podendo controlar principalmente a amplitude de movimento de joelho na qual ele deseje que o músculo ganhe força.
  • Controle Neuromuscular: No contexto dos exercícios de cadeia cinética aberta, a propriocepção desempenha um papel fundamental para garantir a execução correta do movimento e para ajudar no controle neuromuscular de uma articulação isolada. Como a extremidade distal (mãos ou pés) se movimenta livremente no espaço e não está ancorada em uma superfície fixa, a demanda proprioceptiva é alta, exigindo que o sistema sensorial e motor do corpo trabalhem em conjunto para manter a estabilidade e o controle do movimento. Esses exercícios ajudam a melhorar o controle de aceleração e desaceleração de movimento, e a percepção de movimento articular. Justamente por isso atividades em cadeia cinética aberta são interessantes de serem empregadas nas fases finais do programa de tratamento fisioterapêutico. A capacidade de ativar músculos específicos de forma isolada pode ajudar os pacientes a reaprender a usar corretamente o segmento corporal.

Desvantagens da cadeia cinética aberta

  • Estabilidade articular reduzida: Uma vez que o segmento distal pode se movimentar livremente no espaço, pode haver pouco controle sobre a movimentação desse segmento, em especial naqueles pacientes com fraqueza muscular. Esse movimento amplo pode gerar um estresse aumentado em estruturas estabilizadoras, como ligamentos e tendões, especialmente em articulações como joelho e ombro. Embora não seja contra-indicado utilizar exercícios em cadeia cinética aberta na fase aguda ou em pacientes com fraqueza muscular importante, essas atividades tem o potencial de lesionar o segmento, sendo por isso mais interessantes de serem utilizadas nas fases finais do tratamento fisioterapêutico.  

Aplicações clínicas da cadeia cinética aberta

Os exercícios de cadeia cinética aberta são amplamente utilizados na fisioterapia, reabilitação e treinamento de força, mas são particularmente úteis em situações específicas:

  • Reabilitação de lesões: Por permitirem a movimentação livre dos segmentos distais, atividades em cadeia cinética aberta são frequentemente utilizados em programas de reabilitação como forma de progressão do tratamento. Exercícios em cadeia cinética aberta podem ser utilizados para ganho de força e treino de controle neuromuscular.
  • Prevenção de lesões: Exercícios de cadeia cinética aberta podem ser aplicados para trabalhar a estabilidade e a força de músculos que têm papel de suporte para grandes articulações, como o ombro e o joelho.
  • Fortalecimento localizado: Em alguns casos de pós operatório, em especial de cirurgias ortopédicas, os exercícios em cadeia cinética aberta podem ser utilizados para manter a força de músculos e a mobilidade de articulações adjacentes. Exemplo: Após uma cirurgia de artroplastia de quadril, ainda no período pós operatório, pode ser treinado o movimento de extensão de perna (fortalecimento de quadríceps), sem que haja movimento articular no quadril. Dessa forma atuando na prevenção da perda de força e flexibilidade do quadríceps femoral.

Comparação com cadeia cinética fechada

É importante entender as diferenças entre a cadeia cinética aberta e a fechada:

  • Cadeia Cinética Aberta: Segmento distal livre, permitindo movimentos isolados. Exemplos incluem extensão de joelho ao chutar uma bola ou realizar a abdução de ombros, como os que ocorrem no exercício de polichinelo.
  • Cadeia Cinética Fechada: Segmento distal fixo, resultando em movimentos interdependentes que envolvem múltiplas articulações. Exemplos incluem agachamentos e exercícios de push-up / flexão de braços.

Em geral, a escolha entre utilizar exercícios de cadeia cinética aberta ou fechada dependerá dos objetivos do tratamento, do estado do paciente e do tipo de lesão.

Considerações Finais

A cadeia cinética aberta é um conceito vital na fisioterapia, oferecendo uma abordagem única para a avaliação e o tratamento de disfunções musculoesqueléticas. Ao entender as diferenças e aplicações da cadeia cinética aberta em relação à cadeia cinética fechada, os fisioterapeutas podem desenvolver programas de tratamento mais eficazes e personalizados.

Este conhecimento não só contribui para a recuperação de lesões, mas também pode ajudar na prevenção e no aprimoramento do desempenho físico. Ao incorporar exercícios de cadeia cinética aberta em suas práticas, os profissionais podem ajudar seus pacientes a alcançar melhores resultados e a voltar às suas atividades normais de forma mais segura e eficaz.

REFERÊNCIAS

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EDUARDO MARQUES ECKERT. QUAL O MELHOR MOMENTO PARA INTRODUZIR O EXERCÍCIO DE CADEIA CINÉTICA ABERTA APÓS RECONSTRUÇÃO DE LIGAMENTO CRUZADO ANTERIOR?  UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CENTRO-OESTE, UNICENTRO SETOR DE CIÊNCIAS DA SAÚDE, SES/G DEPARTAMENTO DE FISIOTERAPIA – DEFISIO/G. Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Departamento de Fisioterapia da Universidade Estadual do Centro-Oeste para obtenção do certificado de Especialização em Fisioterapia Traumato-Ortopédica Funcional. Guarapuava 2015.