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AVC, Espasticidade e a Síndrome do Neurônio Motor Superior, aspectos relevantes em Fisioterapia

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O Acidente Vascular Cerebral (AVC), também conhecido como “Derrame Cerebral”, pode ser brevemente definido como um déficit neurológico devido a uma lesão focal aguda do Sistema Nervoso Central (SNC) por uma causa vascular. Existem, basicamente, dois tipos de AVC: O AVC isquêmico e o AVC hemorrágico

Segundo a American Stroke Association, o AVC isquêmico é definido como morte celular neuronal atribuível à isquemia, com base em evidências patológicas, de imagem, outras evidências objetivas e / ou clínicas, enquanto o AVC hemorrágico é definido como coleção focal de sangue dentro do parênquima cerebral ou sistema ventricular, não relacionada a trauma.

Como visto, a principal característica de um AVC, é o comprometimento do fluxo sanguíneo com a consequente morte de células cerebrais. Devido ao fato de que a interrupção do suprimento sanguíneo poder atingir qualquer região do cérebro, os sintomas de um AVC podem ser extremamente variados, tais como alterações comportamentais, depressão, perda de memória, agnosias (incapacidade de reconhecer objetos), afasias (incapacidade de compreender os sons ou de se expressar verbalmente) e a hemiplegia (déficit motor em um lado do corpo). A hemiplegia é o sinal mais evidente de um AVC e também é o principal interesse dos fisioterapeutas. Ela acontece quando a isquemia afeta o trato córtico-espinhal (também conhecido como trato piramidal).

O trato piramidal é a principal via que transporta sinais para o movimento voluntário. Lesões no trato piramidal podem resultar em espasticidade, reflexos hiperativos, fraqueza e presença de sinal de Babinski. Todos esses sintomas são característicos de uma lesão do neurônio motor superior. No entanto, certos sintomas são específicos de uma lesão do trato piramidalQuando a lesão causada pelo AVC afeta os neurônios motores superiores (UMN), que transportam sinais de movimento para os neurônios motores inferiores (LMN), que sinalizam aos músculos para contrair ou relaxar.

Os sinais e sintomas deste tipo de lesão são descritos como Síndrome Piramidal ou Síndrome de liberação piramidal, ou ainda Síndrome do Neurônio Motor Superior (SNMS).

A SNMS é caracterizada clinicamente pela presença de sinais “positivos”, tais como espasticidade, clonus, hipereflexia, reflexos cutâneos exaltados (incluindo sinal de Babinski, reflexo nociceptivo e reflexo flexor de retirada), além de anormalidades do controle motor voluntário. Os sinais “negativos” podem incluir paresia, fadiga e perdas de coordenação e destreza.

O arco reflexo segmentar é o mais básico circuito neural responsável pelo tônus muscular normal. A neurorregulação periférica da contração muscular depende da interação harmoniosa de 3 categorias neuronais distintas: (1) os interneurônios, (2) os neurônios de função sensorial, e (3) os motoneurônios. Estas três populações neuronais estão subordinadas aos inputs aferentes primários originados no córtex cerebral, responsáveis pela geração do controle motor voluntário [6]

Lance [7] apud Sommerfeld et al [8], em 1980, definiu espasticidade como “desordem motora caracterizada pelo aumento velocidade-dependente do reflexo tônico de estiramento (tônus muscular) e hipereflexia, resultado da hiperexcitabilidade do reflexo de estiramento”. A interrupção dos circuitos neurais reguladores dos músculos resulta, pela desregulação do arco reflexo segmentar, em aumento do tônus muscular, e é uma complicação comum em casos de lesão medular, esclerose múltipla, encefalopatia crônica da infância e AVC [9]

SEHGAL e McGUIRE [10], apud IVANHOE e REISTETTER [4] ,em 2004, citam que alguns dos mecanismos propostos para a espasticidade incluem a hiperatividade fusimotora, a existência de neurônios motores hiperexcitáveis, a excitabilidade anormal do segmento espinhal e dos interneurônios intersegmentais a partir da perda das influências supraespinais (inibitórias e excitatórias), além de mudanças próprias do músculo.

A hemiplegia/hemiparesia que comumente segue-se ao AVC é o sinal clínico mais óbvio e o principal interesse dos fisioterapeutas [11]. Quando ocorre uma lesão vascular ao SNC acompanhada de comprometimento motor, a resposta muscular normal às demandas corticais e o feedback sensorial encontram-se alterados. O comportamento motor de pacientes que sofreram um AVC, pode ser caracterizado pela desorganização de mecanismos reflexos complexos, que constituem a base do movimento voluntário elaborado [12].

Os efeitos de músculos espásticos sobre o posicionamento e o movimento articulares podem ser complexos e levar ao desenvolvimento de diferentes padrões motores. Padrões de sinergia também são bastante comuns na SNMS. Estes em geral envolvem movimentos grosseiros de flexão e extensão com uma capacidade limitada de contrair músculos individuais voluntariamente. O tônus muscular também pode variar dependendo se o músculo está ativo ou em descanso. Geralmente há pouca correlação entre o tônus estático em descanso versus tônus dinâmico durante a marcha ou outra atividade funcional [13].

SHEEAN, em 2002, sugere que a denominação SNMS é preferível à Síndrome Piramidal, pois o termo Neurônio Motor Superior (NMS) inclui além do tracto córtico-espinhal (feixe piramidal), vias supraespinhais excitatórias e inibitórias responsáveis por gerenciar a atividade reflexa medular. Estas vias, ao acompanhar o trato córtico-espinhal em seu trajeto descendente, são simultaneamente lesadas na ocasião de um AVC. Desta forma, danos ao NMS não se restringem somente ao tracto córtico-espinhal, mas também a outras vias motoras não-piramidais. Este mesmo autor sugere o termo “parapiramidal” (ou justapiramidal) para descrever tais vias.

Referências

1. SHEEAN, G. The Pathophysiology of Spasticity. European Journal of Neurology 2002; 9 (Suppl. 1), S3-S9.

2. GORMLEY ME, O´BRIEN CF, YABLON AS. A clinical overview of treatment decisions in the management of spasticity. Muscle & Nerve 1997; 20 (suppl 6): S14-S20.

3. YOUNG, R.R. Spasticity: a review; Neurology 1994; 44 (suppl 9): S12-S20.

4. IVANHOE CB, REISTETTER TA. Spasticity: The misunderstood part of the upper motor neuron syndrome. Am J Phys Med Rehabil 2004; 83 (suppl):S3–S9.

5. BROWN P. Pathophysiology of spasticity J. Neurol Neurosurg Psychiatry 1994; 57: 773-779.

6. GUYTON A.C. Tratado de Fisiologia Médica, 9ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan 1996.

7. LANCE JW. Simposium Synopsis, in Feldman RG, Young RR, Koella WP, eds . Spasticity: disordered motor control. Chicago: Yearbook Medical, 1980: 485-494

8. SOMMERFELD DK, EEK EUB, SVENSSON AK, HOLMQUIST LW, von ARBIN MH. Spasticity after stroke Its occurrence and association with motor impairments and activity limitations Stroke 2004; 35: 134-140.

9. SATKUNAM LE. Rehabilitation medicine: 3. Management of Adult Spasticity CMAJ 2003; 169 (11): 1173-1179.

10. SEHGAL N, MCGUIRE JR. Beyond Ashworth: Electrophysiologic quantification of spasticity. Phys Med Rehabil Clin North Am 1998; n.9: 949 –79.

11. PERRY J. GARRET M, GRONLEY JK, MULROY SJ. Stroke classification of walking handicap in the stroke population. Stroke 1995; 26 (6): 982-989.

12. FUGL-MEYER AR, JÄÄSKO L, LEYMAN I. The Post stroke hemiplegic patient Scand J Rehab Med 1975; 7: 13-31.

13. MAURITZ K.H. Gait trainning in hemiplegia. European Journal of Neurology 2002; 9 (suppl. 1): 23-29.

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