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Biomecânica respiratória – um breve olhar articulatório

Olá fisionautas, nesta postagem pretendo abordar a fisiologia articular relacionada aos movimentos das vértebras e das costelas durante a respiração. Um assunto que vai muito além do conhecimento de que o movimento de alça de balde acontece nas costelas inferiores e de que o  braço de bomba nas superiores.

Antes de começar, algumas (das incontáveis) considerações teóricas sobre a respiração:
A caixa torácica, ou gradil costal, é formada pelo esterno, cartilagens costais, costelas e corpos das vértebras torácicas. A contração muscular é o motor que aciona todas essas engrenagens, resultando nos movimentos de inspiração e expiração. Nesse sentido, eu gosto de pensar no processo de respiração como se fossem uma orquestra, na qual o produto final (a música, ou a respiração) só é possível se seus diferentes componentes trabalharem em harmonia. Essa comparação é bastante poética, não é mesmo? Mas voltando ao assunto: que tal agora conhecer um pouco mais dos nossos músicos respiratórios? A seguir vou falar dos componentes ósseos e articulares envolvidos na respiração (esterno, costelas e vértebras) e como esses elementos interagem durante a respiração.

Esterno

O esterno, ou osso do peito, é um osso plano e alongado que forma a linha média da caixa torácica anterior que se articula com as dez primeiras costelas via cartilagens costais. É formado por três partes: o manúbrio, o corpo e o processo xifóide. Durante a respiração o esterno desempenha duas importantes funções:
[1] O esterno se move anterior e superiormente durante a inspiração e posterior e inferiormente durante a expiração. Esse deslocamento é o principal responsável pelo movimento de braço de bomba nas costelas.
[2] O esterno também desempenha o papel de conectar as partes direita e esquerda do tórax.
O comprometimento da conexão entre os hemitoráxes (devido, por exemplo, a esternotomia , tumor ou má formação congênita) gera um movimento assimétrico da caixa torácica. Nesse sentido é importante destacar que essa conexão não é apenas óssea. Diversos músculos relevantes para a respiração se inserem no esterno. O movimento assimétrico pode dificultar expansão e retração do tórax, diminuindo a eficácia da respiração torácica.

Cartilagens costais

Embora raramente sejam avaliadas e muitas vezes esquecidas, as cartilagens costais agem como segmentos flexíveis que conectam as costelas ao esterno contribuindo para a liberdade de movimentos das costelas.

Costelas

As costelas são ossos alongados, achatados e torcidos, muito leves e resistentes. Existem 3 tipos de costelas: Costelas verdadeiras, costelas falsas e costelas flutuantes. Vamos conhecer melhor cada uma delas.
Costelas Veradeiras (as sete primeiras)
As sete primeiras costelas se ligam diretamente ao esterno por meio das suas cartilagens costais e, posteriormente, articulam-se às vértebras T1 a T7. Cada um desses conjuntos forma uma unidade singular, semelhante a um anel, a qual é bastante estável e que acaba limitando a mobilidade da coluna torácica nessa área. Estas são ligadas diretamente ao esterno através de suas próprias cartilagens costais.
Costelas falsas (oitavas, nonas e décimas costelas)
Possuem cartilagens costais mais longas e não se ligam diretamente ao esterno, mas sim à cartilagem costocondral de seu vizinho superior, de modo que sua fixação ao esterno é indireta. Portanto, essa região tem mais mobilidade do que as costelas verdadeiras.
Costelas flutuantes (décimas primeiras e segundas costelas)
Apesar do nome, essas costelas não se encontram soltas e muito menos flutuando livremente no corpo humano. Os dois últimos pares de costelas se articulam às vértebras T11 e T12, mas não ao esterno. Elas são essenciais para a proteção de órgãos vitais, como os rins e as glândulas supra-renais.

Vértebras torácicas

A fixação das costelas no esterno e, posteriormente, à coluna vertebral entre T1 e T7 (costelas verdadeiras) limita a mobilidade da coluna torácica nessa área. Há pouca mobilidade onde a costela se prende à cartilagem antes de se estender ao esterno.

Respiração – Movimento das costelas e função da caixa torácica para respirar

A caixa torácica se expande e se contrai durante a respiração. O principal músculo da respiração é o diafragma e ele é auxiliado pelos intercostais. A natureza automática do ciclo respiratório é controlada nos centros respiratórios do tronco cerebral. Até aqui, provavelmente, não estou revelando nenhum conhecimento maçônico secreto, afinal de contas a gente aprende isso já nos primeiros períodos da faculdade. Mas alguma vez você já parou pra pensar em como as articulações trabalham em conjunto para permitir essa expansão e retração da caixa torácica?
Pra começar, é preciso reconhecer que existem dois padrões de movimento descritos para as costelas: o movimento de “braço de bomba” que ocorre principalmente nas costelas superiores e o movimento do tipo “alça de balde” que ocorre principalmente nas costelas inferiores. Existe ainda um terceiro movimento chamado “pinça de caranguejo” que foi atribuído às duas últimas costelas. No entanto, esse tipo de movimento não é aceito universalmente e, em alguns livros, sequer mencionado.


Movimento de braço de bomba (costelas superiores)

Sei que muita gente simplesmente não consegue entender o que diabos é um braço de bomba. Portanto, vamos começar justamente explicando a qual bomba e a qual braço este termo se refere. Em um passado não muito distante, a rede elétrica não alcançava muitas regiões do Brasil, em especial as zonas rurais. Naquela época, os chamados poços artesianos eram a fonte de água para muitas casas. Como não possuíam energia elétrica, a retirada da água era feita por meio de uma bomba manual a qual possuía uma alavanca (também chamada de braço) que deveria ser movida pra cima e pra baixo para bombear a água do fundo do poço até a superfície. . . e  esta é a origem do termo braço de bomba.

Acima, um GIF de como funciona uma bomba manual,
um singelo easter egg do anime “Meu amigo Totoro”

Mas voltando a falar de anatomia humana:
À medida que inspiramos, o esterno desloca-se para frente e para cima, elevando as costelas superiores (da primeira até a sexta costelas) e com isso aumentando diâmetro ântero-posterior do tórax. A comparação com o braço de bomba está no fato de que a extremidade anterior (esternal) move-se para cima e para fora, lembrando o movimento de bombear água.

Movimento em alça de balde

Ao inspirar, as costelas inferiores (7ª a 10ª costelas) se movem lateralmente e para cima, ampliando o diâmetro lateral da cavidade torácica são aumentadas. A comparação com a alça do balde é bem fácil de entender.

Este movimento predomina nas costelas inferiores, já que as cinco primeiras possuem cartilagem própria e podem se movimentar mais no sentido braço de bomba, enquanto que as inferiores tem uma cartilagem comum que limita este movimento e também as inserções do diafragma aumentam os movimentos de alça de balde.

Uma mensagem final.
A compreensão de como as costelas se movem é fundamental para entender como os músculos da respiração expandem a caixa torácica durante a respiração. Também nos ajudam a aplicar as técnicas desobstrutivas de forma mais eficiente e confortável para os pacientes. Espero em uma próxima postagem falar sobre a ação dos músculos envolvidos com a respiração. 

7 comentários em “Biomecânica respiratória – um breve olhar articulatório”

  1. Seu blog é o melhor Humberto! Acompanho desde a época da faculdade, postagens extremamente didáticas e divertidas!
    Vou ter uma questão no meu blog essa semana sobre biomecânica respiratória e postarei o link pro pessoal acessar esse post aqui que está ótimo!

  2. Pingback: VUNESP 2020 – EBSERH – Fisioterapia Intensiva – Questão 35 | Questões de fisioterapia comentadas

  3. Que legal! Sempre estudava esse assunto durante a faculdade e nunca entendia, nem por livro, nem por vídeo aula. E agora encontrando seu site entendi até que enfim! Simplesmente sensacional, muuito obrigada! (adorei o GIF de meu amigo Totoro, amooo)

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