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Flutter, Shaker e Acapella. Entenda como funciona a técnica de oscilação oral de alta frequência

INTRODUÇÃO

O trato respiratório inferior de um adulto produz diariamente algo em torno de 100 ml de muco, o qual reveste toda a árvore brônquica e funciona como uma barreira de defesa retendo microorganismos e partículas sólidas. Em situações normais, este muco é continuamente transportado em direção ao trato respiratório superior onde sofre processo de deglutição sem causar maiores problemas, mas em condições patológicas, como na fibrose cística, bronquiectasia e asma, ocorre secreção excessiva de muco (hipersecreção) bem como alterações de sua viscosidade. Nessas situações, além de modificações nas características do muco brônquico, o epitélio também pode estar alterado, dificultando a função ciliar normal e resultando em depuração ineficaz do muco ciliar.

Caso não consigam ser removidas das vias aéreas, essas secreções se acumulam e podem se tornar um meio de colonização bacteriana e posterior infecção. Pacientes com quadros hipersecretivos podem necessitar de atendimentos frequentes de fisioterapia (talvez mais de uma vez ao dia). No entanto não podemos desconsiderar o fato que atendimentos constantes de fisioterapia respiratória exigem tempo e podem ser fisicamente e financeiramente desgastantes. Felizmente existem alguns dispositivos que podem ser utilizados como coadjuvantes na eliminação de secreções e ajudar a espaçar os atendimentos de fisioterapia respiratória. Na postagem de hoje, vou falar um pouco sobre os dispositivos de oscilação oral de alta frequência. Usarei como exemplo o dispositivo chamado Flutter.

O que é Flutter?

Em inglês, flutter significa vibração, e isso explica muito sobre esse pequeno dispositivo. Com um formato que lembra um cachimbo, esse equipamento é composto por 4 partes: corpo (com um bocal), um cone circular, uma esfera de aço inoxidável e uma tampa protetora.

Quando se realiza uma expiração pelo bocal do dispositivo, o fluxo de ar empurra a esfera de aço inoxidável para cima, mas tão logo ela se eleva o fluxo não é mais suficiente para sustentá-la fazendo com que caia, interrompendo assim a passagem de ar e produzindo oscilações de pressão. O deslocamento da esfera durante a expiração é o resultado do equilíbrio entre a pressão do ar, a força da gravidade na esfera e o ângulo de contato do cone. De uma forma bem simplória, podemos dizer que essas vibrações fazem uma “percussão interna”, “soltando” as secreções e mobilizando-as para as vias aéreas mais proximais.

Mecanismo de ação do flutter

Ao realizar uma expiração através do flutter, o peso da esfera de metal gera uma a pressão positiva expiratória (PEP) que podem variar entre 10 e 20 cmH2O, enquanto que interrupções curtas e sucessivas do fluxo de ar promove vibrações durante a expiração com frequência que varia entre 13 e 15 Hz.

A frequência de oscilação ideal foi determinada a partir de um estudo no qual os pesquisadores identificaram que vibrações com frequência entre 13 a 15 Hz resultavam em maior velocidade de transporte do muco traqueal. (A. Enhanced tracheal mucus clearance with high frequency chest wall compression. Am Rev Respir Dis 1983;128(3):511-515.)    https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/6614645/  

Estudos in vitro avaliaram a influência das oscilações de alta frequência nas propriedades da secreção respiratória e os resultados mostraram que tais oscilações podem quebrar as ligações das macromoléculas do muco, tornando a secreção pulmonar menos espessa e, consequentemente, mais facilmente transportada pelas vias aéreas.

Dessa forma, o flutter consegue combinar dois efeitos terapêuticos de grande importância para os pacientes pneumopatas: A PEP e uma oscilação no fluxo de ar. A PEP gerada mantém as vias aéreas abertas durante a expiração, prevenindo o colapso e reduzindo assim o aprisionamento aéreo no pulmão. Enquanto que a vibração também é transmitida ao longo da árvore brônquica e tem o efeito de reduzir a viscosidade das secreções e diminuir a aderência das secreções na parte brônquica, favorecendo a higiene brônquica.

Como usar?

O flutter é uma alternativa para complementar o tratamento de fisioterapia respiratória em pacientes hipersecretivos. Sua aplicação é simples, segura, eficaz e permite o uso não supervisionado. Esses aspectos favorecem a independência, aumentam a adesão e participação ativa dos pacientes aos programas de tratamento.

A utilização deste dispositivo ocorre em 2 fases: [1] Fase de respiração (inalação e exalação levemente forçada), e [2] Fase de huffing / tosse

Fase de Respiração no Flutter: O paciente é instruído a inspirar lentamente até um volume maior do que o volume corrente (não precisa chegar na capacidade pulmonar total) e realizar uma pausa inspiratória por 2 a 3 segundos. Essa retenção inspiratória serve para favorecer uma ventilação pulmonar mais homogênea.

Após a pausa, o indivíduo é instruído a expirar pelo aparelho, com velocidade de fluxo suficiente para vencer a resistência e fazer o equipamento vibrar. Pode ser interessante estabilizar as bochechas (músculos bucais) com a outra mão durante a expiração para garantir que um melhor fluxo de ar chegue aos pulmões. Essas respirações com o flutter podem ser repetidas consecutivamente por 6-10 vezes. Após esse número de repetições, solicita-se ao paciente que tussa (fase de huffing/tosse)

Fase de Huffing/tosse Períodos de respiração com o flutter são seguidos por tosse ou manobras de huffing para mobilizar ainda mais as secreções. Lembre-se de deixar papel toalha ao alcance do paciente para que ele ou ela expectore nessas folhas e você possa visualizar a coloração e viscosidade das secreções. As séries de respiração+huffing/tosse devem ser repetidas até que a secreção eliminada fique mais fluida e/ou mais esbranquiçada (principalmente se as primeiras secreções eliminadas forem amareladas ou esverdeadas). O número de séries vai depender do volume de expectoração do indivíduo, níveis de fadiga e dispneia

Nas primeiras vezes, pode levar bastante tempo até que boa parte da secreção seja eliminada, porém com o uso diário, o tempo para alcançar a higiene brônquica diminui.

Importante:

Instrua o paciente a sentar-se em uma cadeira bem apoiada com a coluna lombar neutra. Isso melhora a função do diafragma e do assoalho pélvico.

Dependendo da produção de secreção diária, este tipo de terapia pode ser aplicado diariamente ou duas vezes ao dia em estado clínico estável.

Caso julgue necessário, essa técnica pode ser feita com o paciente em drenagem postural.

Importante destacar que o dispositivo gera oscilações com frequências que variam na dependência da angulação do equipamento, em relação à boca.

Precauções clínicas para o uso do flutter

Pneumotórax (mesmo pneumotórax drenado), devido ao risco das vibrações perpetuarem ou mesmo ampliarem o pneumotorax.

Pós-lobectomia pulmonar ou transplante pulmonar, devido ao risco de pneumotórax ou comprometimento da anastomose

Instabilidade hemodinâmica ou doença cardiovascular grave devido à aplicação de pressão positiva no tórax, embora com PEP de baixa pressão, o risco é mínimo em comparação com tosse

Empiema não drenado ou abscesso pulmonar (devido ao risco de liberação repentina de grande volume de fluido loculado)

Hemoptise ativa devido ao risco de induzir sangramento excessivo com a técnica

Incapacidade de tolerar devido ao aumento do esforço respiratório

Infecção do ouvido médio, devido ao risco de aumento da pressão dentro das trompas de Eustáquio durante a técnica. Aumento do risco de tosse precoce e não controlada em pacientes com vias aéreas hiper-reativas

3 comentários em “Flutter, Shaker e Acapella. Entenda como funciona a técnica de oscilação oral de alta frequência”

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