Pular para o conteúdo

Teste de Gillet – tudo o que você sempre quis saber, mas tinha medo de perguntar

INTRODUÇÃO

A articulação sacroilíaca, como o próprio nome diz, é uma articulação que conecta o ilíaco e o sacro. Trata-se de um componente essencial para a transferência de forças ascendentes e descendentes provenientes do tronco e dos membros inferiores. Por muito tempo, acreditou-se que simplesmente não havia movimento nas articulações sacroilíacas, no entanto diversas pesquisas já demonstram que esta articulação permite uma quantidade limitada de movimento (limitado na faixa média de 2 a 4 ° nos três planos dessa articulação).

Agora que já sabemos a localização das articulações sacroilíacas, sua função e entendemos que elas permitem pequena quantidade de movimentos, fica fácil entender que elas podem causar ou estar envolvidas na origem de dores pélvicas, lombares ou nos membros inferiores. Justamente por isso é tão importante que o fisioterapeuta saiba como avaliar esta articulação.  

Teste de Gillet

Existem diversos testes usados para avaliar a mobilidade da articulação sacroilíaca. Talvez o mais famoso seja o teste de Gillet. Esse teste avalia, por meio da palpação, o movimento entre o ilíaco e o sacro individualmente.  Dependendo da fonte pesquisada, pode haver pequenas variações na metodologia de realização do teste, porém a maioria dos examinadores realiza as seguintes etapas:

[1] Paciente em posição ereta com as mãos apoiadas na parede. Fisioterapeuta sentado ou semi-ajoelhado, com os olhos ao nível da pelve do paciente.
[2] Fisioterapeuta localiza e coloca um polegar sobre a espinha Ilíaca Póstero Superior (EIPS) e o outro polegar palpar o sacro, medialmente a EIPS.
[3] Mantendo os polegares apoiados, pede-se ao paciente para permanecer sobre uma perna enquanto faz flexão do quadril e joelho de 90 graus da perna do lado que está sendo testado.

O teste é repetido do outro lado e comparado bilateralmente.OBS: Um método alternativo para este teste é palpar as duas EIPS ao mesmo tempo e comparar a posição final.

Como interpretar?

A interpretação do teste de Gillet é a seguinte: Considerando uma articulação sacroilíaca saudável e com a mobilidade preservada, o movimento normal esperado é a rotação posterior do osso ilíaco em relação ao sacro durante a flexão do quadril.
Na palpação, isso se traduz na percepção de que, com a rotação posterior do ilíaco, o polegar que está sobre a EIPS se move caudalmente em relação ao polegar que está sobre o sacro quando o paciente flexiona o quadril a 90º em apoio monopodal. Assim, se o polegar desce, significa que a articulação está livre. Uma avaliação um pouco mais minuciosa pode incluir também a avaliação da simetria na quantidade de movimento do lado esquerdo e direito.Mas se o fisioterapeuta percebe que o polegar que está sobre a EIPS não desce, ou desce pouco , ou está associado à dor, diz-se que o teste é positivo e podemos suspeitar de uma hipomobilidade no movimento da articulação sacroilíaca.

O teste de Gillet é confiável?
Apesar de bastante difundido e utilizado, os estudos que avaliaram a precisão diagnóstica concluíram que o teste de Gillet apresenta uma confiabilidade extremamente baixa:

Sensibilidade: 0,08.

A sensibilidade é a proporção de pessoas com um resultado positivo no teste de Gillet e que realmente possuem uma hipomobilidade na articulação sacroilíaca testada. Em outras palavras: O teste de Gillet possui 8% de chance de identificar um paciente com problemas reais na sacroilíaca.

Especificidade: 0,93

A especificidade é a proporção de pessoas com um resultado negativo no teste de Gillet e que de fato não possuem hipomobilidade na articulação sacroilíaca. Basicamente verdadeiros negativos. Em outras palavras: Existe uma chance de 93% de um indivíduo sem alteração na sacroilíaca ter seu teste normal.

Coeficiente de correlação de Kappa do teste de Gillet foi de 0,081 (Intra e interexaminador).

O coeficiente de concordância de Kappa é utilizado para descrever a concordância entre dois ou mais examinadores.
O valor do coeficiente de concordância de Kappa varia de 0 a 1. Quanto mais próximo de 1 for seu valor, maior é o indicativo de que existe uma concordância entre os avaliadores e quanto mais próximo de zero, maior é o indicativo de que a concordância é puramente aleatória.

Devo abandonar o teste de Gillet?
Por conta da baixa sensibilidade e alta especificidade do teste, não é recomendável que seja aplicado como teste único para diagnosticar a hipomobilidade sacroilíaca como a origem dos sintomas do paciente. Alguns autores recomendaram o uso de grupos de testes (chamados de clusters) para avaliar se há ou não disfunção na sacroilíaca. 
Supostamente um teste de Gillet combinado com outros testes positivos de mobilidade sacroilíaca indicaria um comprometimento válido da mobilidade da articulação sacroilíaca. No entanto, o uso clínico desses clusters ainda não foi formalmente validado por estudos científicos. 
À partir desses estudos, alguns terapeutas manuais sugeriram abandoná-lo como um teste de mobilidade da sacroilíaca. Eles sugerem reinterpretar esse teste como um indicador qualitativo da estabilidade da pelve, como evidenciado pela capacidade do indivíduo de manter um equilíbrio efetivo em apoio monopodal. 
De acordo com essa forma de interpretar o resultado, o que vemos no teste de Gillet é na verdade a soma de todas as forças produzidas por ossos, ligamentos, fáscia, músculos, pele e gordura. Lembra quando no começo da postagem eu mencionei que a sacroilíaca é responsável pela transferência de forças ascendentes e descendentes provenientes do tronco e dos membros inferiores? Pois bem, quando essa transferência de carga ocorre de forma efetiva, a EIPS parece mover-se. Esse padrão está associado ao bom funcionamento da articulação sacroilíaca, bem como dos músculos da cintura pélvica e também do CORE. 
Evidentemente que esta interpretação também carece de comprovação científica, embora me pareça uma explicação elegante e bastante plausível, ainda não existem evidências a favor dela, mas acho que podemos usá-la em nossa prática, afinal de contas, como certa vez disse Carl Sagan: “A ausência de evidências não é evidência de ausência”

REEFERÊNCIAS:

1 comentário em “Teste de Gillet – tudo o que você sempre quis saber, mas tinha medo de perguntar”

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *