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Toxina Botulínica Tipo A

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A toxina botulínica do tipo-A (TBA) é um agente biológico obtido laboratorialmente. Trata-se de uma neurotoxina produzida pela bactéria Clostridium Botulinum, que age inibindo de forma reversível a exocitose das moléculas de acetilcolina na junção mioneural causando efeitos semelhantes à paralisia muscular flácida, porém sem afetar a condução nervosa. Pode-se pensar na TBA como uma espécie de “enfraquecedor” muscular. Desta forma, quando aplicada na face, gera um relaxamento dessa musculatura, que resulta no efeito estético de atenuação das linhas de expressão faciais. Quando aplicada em pacientes neurológicos, gera redução da força de contração muscular involuntária. O uso da TBA em pacientes com espasticidade está se tornando cada dia mais comum, e não é raro fisioterapeutas receberem em seus consultórios pacientes que se encontram sob efeito da TBA. Devido à popularidade deste tratamento resolvi escrever algumas linhas gerais com informações que eu considero úteis a respeito da TBA e suas propriedades.

História da Toxina Botulínica

A história da toxina botulínica iniciou-se quando em 1817 foi publicada pela primeira vez a descrição do botulismo alimentar (intoxicação causado pela Clostridium botulinum). Tudo começou quando moradores do reino de Württemberg, no sul da Alemanha,  desenvolveram uma série de sintomas misteriosos. Os doentes apresentavam fraqueza muscular generalizada, além de visão dupla, boca seca e problemas intestinais. Os sintomas desapareciam após alguns meses. No entanto, em alguns casos, a paralisia muscular causava insuficiência respiratória e óbito.

O médico alemão Justinius Kerner investigou os incidentes e descobriu que a misteriosa doença estava associada ao consumo de salsichas defumadas. Ele então deduziu que se tratava de um veneno encontrado nesse alimento e batizou a doença como botulismo (do latim, botulus = salsicha). Ele concluiu que tal veneno interferia com a excitabilidade muscular e com o Sistema Nervoso Autônomo Simpático.

Em 1895, na vila belga de Elezelles também ocorreu um surto de botulismo, levando muitos indivíduos à morte. Emile Van Ermengem, um microbiologista pesquisou esse surto a foi o primeiro a estabelecer uma ligação entre o botulismo e a bactéria descoberta na carne de porco crua e salgada e o tecido post-mortem das vítimas que consumiram esta carne. Van Ermengem isolou com sucesso esta bactéria, dando-lhe o nome de Bacillus botulinus, sendo esta, mais tarde renomeada de Clostridium Botulinum.

A primeira aplicação terapêutica da TBA em seres humanos foi em 1970. Na época, Alan B. Scott, oftalmologista norte americano, estava à procura por uma substância que pudesse ser injetada em músculos hiperativos que ocasionavam o estrabismo infantil. Inicialmente, Alan Scott utilizou a TBA para o tratamento de estrabismo em primatas não humanos, anos depois, publicou os primeiros resultados de suas experiências com esta toxina para corrigir o estrabismo em humanos. Posteriormente as indicações do uso clínico da TBA se estenderam para além da oftalmologia, com destaque para a Neurologia e Dermatologia, assumindo parte crucial na História da evolução da aplicação desta substância.

Em dezembro de 1989, a F.D.A aprovou a TBA para o tratamento de estrabismo, blefaroespasmo e espasmo hemifacial em pacientes maiores de 12 anos. Desde o início de sua utilização clínica, no começo dos anos 80, a TBA tem provado ser efetiva e segura para o tratamento da distonia e da espasticidade, assim como outras desordens que envolvam contração muscular inadequada. É interessante notar que, após mais de uma década de aplicações terapêuticas, não foram relatadas mortes ou eventos anafiláticos atribuíveis à toxina.

Mecanismo de ação

A toxina botulínica basicamente inibe a liberação da acetilcolina nos terminais nervosos motores levando a uma diminuição da contração muscular. Existe em sete sorotipos diferentes de toxina botulínica, denominados A, B, C, D, E, F e G. Embora todos esses sorotipos inibam a liberação de acetilcolina dos terminais nervosos, suas proteínas alvo intracelulares, suas características de ação e suas potências variam substancialmente. A TBA tem sido o sorotipo mais amplamente estudado para fins terapêuticos.

A TBA apresenta-se como molécula formada por duas cadeias polipeptídicas, sendo uma cadeia leve (50 kDa) e outra pesada (100 kDa), ligadas entre si por uma ponte disulfeto. A cadeia pesada é responsável pela aglutinação da toxina à membrana celular do terminal nervoso e também ao processo de internalização. A atividade tóxica está associada à cadeia leve, que bloqueia a liberação de acetilcolina através de seccionamento da SNAP-25, uma proteína citoplasmática localizada na membrana celular e necessária para a liberação deste neurotransmissor.

A administração intramuscular de toxina botulínica age bloqueando a liberação de acetilcolina (principal neurotransmissor na junção neuromuscular), causando paralisia muscular.A paresia ocorre após dois a cinco dias e dura de dois a três meses antes de começar a desaparecer gradualmente.

Curiosidade: acetilcolina também é o mediador químico envolvido no fenômeno da sudorese. Em casos de hiperidrose, é possível realizar a aplicação da TBA diretamente na axila, na palma da mãos e sola dos pés (Se algum dia precisar desse tratamento, sugiro pedir uma anestesia local, principalmente se for levar injeção no suvaco).

Uso terapêutico

Com a redução da força de contração muscular, também ocorre redução do tônus muscular e consequente abre-se “janela de oportunidades” para a fisioterapia. Durante os quatro meses seguintes (tempo médio de duração dos efeitos da TBA), o fisioterapeuta terá maior facilidade para realizar condutas como alongamento muscular, reeducação da marcha, treino de controle motor, ou mesmo fortalecimento muscular. Esses efeitos tornam a TBA particularmente útil para o tratamento de pacientes espásticos e distônicos.

Pra terminar, gostaria de destacar dois aspectos relevantes:

[1] A aplicação intramuscular de toxina botulínica tipo A isoladamente não garante total eficácia no tratamento. A recomendação é que a TBA seja utilizada em conjunto com a fisioterapia.

[2] Se o objetivo do tratamento for ganho de amplitude de movimento, é preciso avaliar muito bem se a limitação está sendo causada pela espasticidade, ou se a limitação já é resultado de uma contratura de tecidos moles, ou seja: uma adaptação histológicas dos tecidos moles, e nesse caso, a aplicação de TBA não terá grandes efeitos para o tratamento.

Referências:

[1] ASPECTOS RELEVANTES DO USO DA TOXINA BOTULÍNICA NO TRATAMENTO ESTÉTICO E SEUS DIVERSOS MECANISMOS DE AÇÃO – July 2019 SABER CIENTÍFICO 8(1):120
[2] Toxina Botulínica do Tipo A: mecanismo de ação
[3] BOTULINUM TOXIN – Mechanisms of action – Arq Neuropsiquiatr 2005;63(1):180-185
[4] Toxina botulínica e fisioterapia em crianças com paralisia cerebral espástica: revisão bibliográfica – Fisioter. Mov., Curitiba, v. 24, n. 1, p. 181-190, jan./mar. 2011

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