Olá Fisionautas!
Por muito tempo os vídeo games foram considerados como um entretenimento associado ao sedentarismo. Os jogos mais antigos se limitavam a fazer o jogador apertar freneticamente alguns botões com os olhos fixos na TV. Além disso, normalmente os jogadores permaneciam esparramados na cama ou no sofá, por horas, convenientemente abastecidos por pizza, refrigerantes, doces e tira-gostos suficientes para alimentar uma família.
No entanto, a Nintendo alterou radicalmente a forma como interagimos com o vídeo game quando, em 2006, lançou o console Wii, cuja principal característica é exigir que os jogadores se movimentem para interagir com o game. Assim, para jogar um jogo de tênis, o participante precisa fazer movimentos amplos do braço de modo a simular o saque e as rebatidas.
Não demorou muito para Fisioterapeutas e Terapeutas Ocupacionais, percebessem o potencial desse console para a reabilitação. Eu mesmo utilizo bastante o wii como recurso terapêutico. Minha maior expertise é na inclusão desse game como recurso terapêutico na protetização de crianças com amputações dos membros inferiores e a TO que trabalha comigo tem ampla experiência na protetização de membros superiores (frequentemente atendemos em conjunto, mas como ela entende muito mais de função do que eu e eu saco mais de marcha do que ela, nossas atuações são complementares). Nessa postagem vou compartilhar algumas coisas que aprendi ao longo dos 10 anos que venho jogando videogame no consultório (do jeito mais sério possível!!!).
FUNDAMENTOS TEÓRICOS
Imersão sensorial:
O Nintendo Wii oferece aos pacientes interação visual, auditiva e tátil. Essas “pistas” sensoriais servem para aumentar a experiência de imersão do paciente no jogo. Elas fornecem um feedback contínuo sobre o que está acontecendo no jogo e ajudam o paciente a corrigir sua movimentação e postura durante a partida.
No caso do feedback visual, os movimentos são reproduzidos na tela da TV em tempo real e dessa forma, o usuário é capaz de monitorar e corrigir seu desempenho no jogo.
Para o feedback auditivo, os sons emitidos tanto pela TV quanto pelos controles do wii oferecem ao usuário pistas auditivas sobre o seu desempenho no jogo.
Com relação ao feedback tátil, os controles vibram em resposta a uma ação específica tal como a rebatida de uma bola, por exemplo.
Estímulo ao equilíbrio e ajustes posturais:
Pacientes de um serviço de reabilitação apresentam as mais variadas dificuldades relacionadas ao controle da postura e movimentos. Nesse sentido, podemos utilizar alguns jogos especificamente para treinar o equilíbrio, coordenação motora e até mesmo resistência. Sabemos que o controle postural é resultado de uma interação complexa dos sistemas sensoriais (visual, vestibular e somatossensorial), do sistema motor e do sistema nervoso central. O feedback fornecido em especial pelos jogo que usam o balanceboard como interface ajudam o paciente a retreinar o equilíbrio e os ajustes posturais.
Motivação:
O estímulo a atividade física é o componente mais óbvio e o principal interesse dos profissionais de saúde envolvidos com a reabilitação. Porém, às vezes, convencer o paciente a assumir o ortostatismo e a movimentação pode ser um desafio, principalmente se estivermos lidando com idosos frágeis, pacientes deprimidos ou que se recuperam de internações ou tratamentos de saúde prolongados e, obviamente de crianças (para as quais a fisioterapia às vezes é extremamente entediante). Eu confesso que não canso de me impressionar com a maneira como o wii consegue motivar até o mais rabugento dos velhinhos e a mais preguiçosa criança !!!
SEGURANÇA
Não posso deixar de comentar que é importante garantir a segurança dos pacientes no ambiente no qual as atividades estão sendo realizadas. Pacientes que estiverem participando de jogos que estimulam movimentos amplos podem acidentalmente danificar o equipamento ou mesmo ferir-se. Abaixo seguem algumas recomendações para o uso seguro deste recurso.
- Enquanto estiverem participando das atividades com o vídeo game, os usuários devem ser sempre supervisionados pela(o) fisioterapeuta .
- Antes de iniciar a partida, é importante certificar que existe espaço suficiente ao redor dos usuários. Para evitar acidentes, posicione-os a uma distância segura de paredes, móveis e de outros jogadores.
- Ainda devido aos movimentos amplos e bruscos, todos os usuários devem usar a pulseira de segurança do Wii Remote ao redor do pulso para prevenir o arremesso acidental do controle.
- Alguns usuários podem necessitar de dispositivos auxiliares para permanecer de pé. Nestes casos, por medida de segurança, deve-se utilizar um andador e ter alguém próximo ao usuário durante toda a partida.
- Considere a segurança de usuários que têm uma deficiência sensorial, em especial déficit visual.
- A tolerância ao ortostatismo pode variar de indivíduo para indivíduo. Alguns usuários podem precisar de pausas regulares durante o atendimento. Mantenha sempre uma cadeira próxima para o caso de necessidade.
- Ao utilizar o Balance Board, informe aos usuários que em hipótese nenhuma devem saltar sobre a plataforma
RECOMENDAÇÕES PARA A PRESCRIÇÃO DE ATIVIDADES:
Uma vez que o equipamento será utilizado como recurso terapêutico e não como recreação, é necessário planejar a atividade, em termos de escolha de jogos e tempo de atividade.
Poucos artigos publicados exibem alguma recomendação quanto a escolha de jogos, relacionando-os com os objetivos terapêuticos a serem alcançados.
Para facilitar o planejamento da atividade terapêutica, recomendamos a utilização de uma estratégia estruturada sintetizada pelo acrônimo “P.A.J.É.” P=participante, A=acessórios, J= jogo e E= espaço
Abaixo deixo um video de um paciente com diplegia no qual utilizo o wii para melhorar o controle de tronco. No vídeo, não há fisioterapeuta próximo pelo fato desse video ter sido gravado na terceira etapa do atendimento. A saber: O atendimento começa com a fisioterapia “tradicional”, isto é: exercícios de alongamento, treino de equilíbrio em superfícies estáveis e instáveis como a bola suiça. Depois é realizado treino com o Wii, estando o fisioterapeuta sentado atrás do paciente dando instruções e feedback sensitivo para estimular os deslocamentos laterais do paciente. Na terceira e última etapa, deixo o paciente jogar sozinho com o objetivo de fazer o máximo de pontos possível.
Eu ainda permito que ele se segure nas abas do balanceboard devido a insegurança. Mas um dos objetivos de tratamento é justamente ganho de controle suficiente para jogar sem precisar se segurar!